sexta-feira, 16 de fevereiro de 2018

Brasil foi o primeiro país condenado por escravidão moderna

A Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), uma instituição judicial autônoma da Organização dos Estados Americanos (OEA), condenou, em outubro de 2016, o Estado brasileiro por tolerar a escravidão em suas formas modernas, responsabilizando internacionalmente o Brasil por não prevenir a prática de trabalho escravo moderno e de tráfico de pessoas. O Brasil foi o primeiro país condenado pela OEA por esse motivo.
O país foi considerado um violador das garantias trabalhistas de 85 trabalhadores que precisaram ser resgatados de uma fazenda no estado do Pará, no ano de 2000.
O tribunal continental de direitos humanos, em San José, na Costa Rica, concluiu que o Estado brasileiro permitiu os graves abusos trabalhistas na Fazenda Brasil Verde, que vinha sendo denunciada desde 1989. Por isso o tribunal ordenou que os trabalhadores fossem indenizados e as investigações internas fossem retomadas.
O caso
Em 2000, dois jovens conseguiram escapar da fazenda e forçaram uma inspeção trabalhista que comprovou os abusos, mas os culpados nunca foram castigados, nem os agricultores foram indenizados, apesar dos relatórios posteriores da CIDH.
Na fazenda, a carteira de trabalho era retida e os trabalhadores eram obrigados a assinar documentos em branco. Além disso, eram forçados a trabalhar jornadas de 12 horas com apenas 30 minutos para comer os alimentos insuficientes e de má qualidade que, ainda por cima, eram descontados do pagamento. Dormiam em redes sem acesso a eletricidade ou assistência médica. Trabalhavam sob ameaças e vigilância armada, de acordo com a sentença.
A Comissão Pastoral da Terra (CPT), juntamente com o Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), identificou na repetição das violações na Fazenda Brasil Verde uma chance de desmascarar essa cultura que ainda persiste no Brasil. As entidades levaram dois anos levantando documentos e procurando os trabalhadores prejudicados. Muitos que sofreram as violações não puderam ser encontrados. O caso foi levado para a Comissão em 1998. O Estado Brasileiro tentou negociar e pressionou muito para que o caso não chegasse à CIDH. Mas não conseguiu.
Foi a ausência de efetividade na aplicação da lei para proteger os direitos dos trabalhadores, punir os responsáveis e reparar os danos que fez com que o caso fosse aceito na CIDH em 2015. Uma vez na Corte, o Estado Brasileiro se tornou réu. Isso porque o sistema de direitos humanos foi criado para punir abusos de Estados contra seus cidadãos. Apesar da legislação internacional reconhecer que a Fazenda, mesmo sendo uma entidade jurídica, é capaz de violar os direitos humanos, ela não pode ser julgada em âmbito internacional. Está em discussão na Organização das Nações Unidas um tratado sobre empresas e direitos humanos que pode mudar esse cenário e tornar mais difícil que as empresas fiquem impunes.
“Nenhum dos procedimentos legais em sede interna determinou algum tipo de responsabilidade, nem serviu para obter reparação às vítimas ou estudou a fundo a questão”, diz a sentença. Segundo a sentença, isso acontece por uma “normalização” das condições desumanas em que trabalhavam muitas pessoas especialmente vulneráveis nos estados mais pobres do Brasil. Esses regimes de trabalho forçado em fazendas e minas foram combatidos nos anos 90 e milhares de trabalhadores foram liberados, mas apenas o caso da Fazenda Brasil Verde chegou à Corte Interamericana.
Segundo a Corte, a escravidão moderna “se manifesta nos dias de hoje de várias maneiras, mas mantendo certas características essenciais comuns à escravidão tradicional, como o exercício do controle sobre uma pessoa através da coação física ou psicológica de tal forma que implique a perda de sua autonomia individual e a exploração contra sua vontade”.
Em razão das violações identificadas, a Corte ordenou a reabertura das investigações e o pagamento das indenizações correspondentes. Além disso, a CIDH instrui que sejam “adotadas medidas necessárias para garantir que a prescrição não seja aplicada ao delito de direito internacional de escravidão e suas formas análogas”

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